segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A metáfora dos cogumelos


A maioria de nós, jovens, para não dizer a totalidade, divide-se entre seus medos e sua motivação ousada. Se, em certa ocasião, não medimos esforços para superar nossos limites, em outra, o temor pelo fracasso costuma nos desencorajar a desbravar novos horizontes. Cada um vive à sua maneira e, obviamente, buscando a felicidade e a realização pessoal. Eu confesso que sempre acreditei nisto, convicta de que desviar de alguns desafios não nos fazia melhor ou pior; estávamos, apenas, preservando-nos de alguma intempérie que poderia nos surpreender quando totalmente desarmados. Acreditava naquela famosa desculpa: “eu não estou pronto, preciso amadurecer mais”. E, nisto, me esquivava de lutar pelos meus sonhos e, mais ainda, de agarrar a oportunidade que eu tinha de concretizá-los. Para a minha surpresa, descobri o óbvio de uma forma um tanto quanto inusitada: conversando com uma das maiores referências profissionais da minha área.

Naquela oportunidade, tão preciosa para mim, eu tentava absorver todo e qualquer exemplo que poderia me ser transmitido. Queria saber como eu deveria proceder para ser uma boa jornalista; quais as técnicas, o limite de sensibilidade, os melhores livros e contatos. Mas não foi bem assim que a conversa procedeu. Aprendi muito mais e hoje sou grata pela experiência única que pude desfrutar.
   
Sentamos em um restaurante no qual a especialidade era buffet de massas. Antes de nos servirmos, pedimos um vinho e trocamos algumas palavras sobre a história de cada um, as experiências (minhas, não muitas), e as paixões jornalísticas. Falei sobre a minha vontade de me encontrar profissionalmente e das limitações que me impediam de ousar mais. Entre uma desculpa e outra, disse: “por mais absurdo que possa parecer, acredito que o fato de nascer em uma cidade do interior, nos deixa mais conformistas ou com um certo medo de enfrentar o desconhecido. É a cultura da cidade, das pessoas. Nasci e cresci nesse ambiente e acho que absorvi muito desta lógica interiorana”. Ele somente ouvia e pedia para que eu detalhasse mais e mais. Ainda que a conversa estivesse interessante, eu parecia estar um pouco desapontada, porque esperava ouvir muito mais que falar. Mas aquela era a minha vez. Era o meu momento e somente eu não o percebia.
   
Quando fomos nos servir, ele sugeriu ao chefe o seu prato e, ao chegar a minha vez, pedi-lhe desculpas por ser um pouco “enjoada” para comer, por não gostar de verduras e aditivos exóticos. Ele, então, me perguntou: “você já experimentou?”, e eu, timidamente, respondi que não. Pediu a liberdade para montar o meu prato e adicionou cogumelos. Na minha mente, só conseguia pensar na vergonha que eu teria ao comer um prato que “não gosto” e nas possíveis “caras e bocas” que eu pudesse fazer. E, antes que eu degustasse o prato por ele preparado, ele interpelou: “quero que você experimente este novo sabor, mas sem nenhum preconceito com o que está no seu prato, apenas se deixe levar pelo gosto de cada ingrediente e depois me fale o que achou”. E fiz o que me foi sugerido. Surpreendi-me com um sabor inigualável, que eu poderia, hoje, julgar, como um dos melhores pratos que eu já experimentei. “E então? Gostou?”. Respondi-lhe que sim, que havia apreciado muito.

E, naquele momento, como que em uma epifania, ele me disse o que eu precisava ouvir há muito tempo e que mudou completamente o meu destino: “eu quero que você leve esta experiência para a sua vida, que você pode chamar como a ‘metáfora dos cogumelos’. Nada é ruim, se você não se permitir experimentar. Não tenha medo do desconhecido. Você pode descobrir a sua felicidade plena naquele caminho estreito e no qual você não consegue enxergar, sequer, os primeiros metros. Assim como o sabor dos cogumelos te surpreendeu, uma oportunidade nova também pode fazer o mesmo. E não me diga que você é uma inocente moça do interior, porque a nossa capacidade de superação está dentro de nós mesmos e não no ambiente em que vivemos”. Foram muitos minutos de silêncio após estas palavras. Ele pegou a minha mão, uma caneta e escreveu: “confie em você”. Não precisei de mais nada para agradecê-lo pela experiência incrível que eu havia desfrutado e também pelos cogumelos, que, certamente, mudaram o meu ponto de vista sobre a vida e, principalmente, sobre mim mesma.

E quem disser que não irá aproveitar uma oportunidade, por medo do desconhecido, experimente a metáfora dos cogumelos. Se hoje cheguei onde estou foi por causa dela. E onde quer que eu vá, ela estará comigo, me provando que vale a pena sonhar e mergulhar fundo em um universo rico de novas possibilidades e, principalmente, de grandes ensejos de auto-superação e descoberta de si próprio!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Você quer viajar sozinho ou entrar numa comitiva que também o leva a lugares fabulosos?


Para nós, jornalistas, a escrita é quase uma técnica. A prática redacional e a intimidade com as palavras são tamanhas que, às vezes, bastam uns 15, 20 minutinhos, e já temos uma matéria em mãos.  Digamos que seria uma produção em série: definição do tema, elaboração da pauta, escolha da fonte, realização da entrevista e, enfim, junção de vocábulos para dar sentido a uma cobertura. A grosso modo, poderia sem bem assim como eu descrevera. Mas escrever exige algo mais. Exige sentir as palavras e ter uma dinâmica especial com elas para que os símbolos possam ter o poder de levá-lo a determinado local. Vamos experimentar?

A cadeira de balanço, em madeira maciça já desgastada, move-se vagarosamente com a aconchegante brisa quente que passa pela varanda que circunda a casa. Num tom sonoro quase rítmico, o barulho do vai e vem da cadeira se mistura ao som das folhas se movendo na jabuticabeira vistosa da entrada. Faltava algo. Era um vazio que chegava a penetrar as entranhas da terra vermelha que se dispersava com o vento. Aquele cenário estaria completo se a cadeira não estivesse leve e vazia... 

 E então? O que você imaginou? Um casarão colonial de uma fazenda, rodeado por uma varanda? Ou um casebre, no meio do mato, em um cenário vistoso? Este é o poder das palavras. De fazê-lo criar a sua própria imagem, o seu filme pessoal da história que vai sendo desvelada. O segredo de um bom escritor é usar de adjetivos, mas sem desnudar o cenário por completo, pois, para que a leitura dialogue verdadeiramente com o leitor, é importante que se deixe esta lacuna à imaginação. Para isso, sentir as palavras é fundamental. Você precisa ter a sensibilidade afiada para viver e respirar cada frase... Escreve-se vivendo. E por isso esta paixão arrebatadora dos escritores pelo ofício. Porque somos capazes de criar e reviver (no caso dos jornalistas) situações. Vive-se o concreto e o imaginário criado pelo texto...

Desta argumentação, venho, agora, discutir uma “teoria particular”. Qualquer leitor de livros como “O Código da Vinci”, “Olga”, “Elite da Tropa”, ou demais obras que foram adaptadas para o cinema, se questionados sobre a produção cinematográfica, tecerão duras críticas ou, no mínimo, argumentação que o filme é superficial. Pois bem. Iniciemos com uma distinção óbvia: cinema e literatura são artes díspares. Cada uma delas se apropria de técnicas peculiares para entreter o público. No primeiro caso, preocupa-se não somente com o roteiro, mas com a atuação dos atores, o cenário, figurino e, o mais importante: o ângulo de cada tomada. Sim, porque cada ângulo de filmagem tem o seu significado. Se é feita uma tomada geral, pretende-se dizer algo e se, contrariamente, opta-se pelo primeiro plano, o efeito que se quer provocar é outro. Daí subentende-se que o cineasta faz a sua interpretação da obra e, em cima dela, planeja como serão conduzidas as gravações.

 Por exemplo: imagine-se criando um filme sobre uma obra que você leu. Você, certamente, vai buscar recriar os elementos que estavam em sua fantasia, procurando atores que se assemelham aos seus personagens idealizados, dentre outras posturas particulares. Por isso, a resignação do leitor que assiste o filme baseado na obra literária. Ele imagina, por exemplo, o casarão, e o cineasta, por sua vez, já pensou em um casebre e quis recriá-lo assim. Não se trata, portanto, de “verdades” contestadas e, sim, do particularismo que existe no infinito imaginário de cada um. Na leitura, nós somamos a nossa personalidade, os aspectos de nossa história pessoal ao que está sendo narrado. O cinema já nos apresenta uma visão formatada, entretanto, não perde o seu precioso valor por isso.

Temos que entender a finalidade de cada arte, para, assim, respeitá-la em suas peculiaridades e distinguir as técnicas que cada uma se apropria. O verdadeiro amante da cultura saberá absorver as riquezas de cada manifestação artística e explorar seus infindáveis valores. Leiam bastante, explorem o universo de possibilidades que o seu imaginário lhe proporciona todos os dias, e não deixem de viajar nas grandes produções cinematográficas que podem levá-lo a lugares ainda mais fantásticos!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O Amor Original em "O Banquete"




Sabe quando a gente ainda estava no Segundo ou Terceiro Colegial, com aquelas aulas "chatas" de filosofia? Pois bem. Entre uma e outra atividade solicitada pelo professor, tive que ler "O Banquete", de Platão. Logo que recebi a tarefa, aproveitei para reclamar bastante por todos os cantos, afinal, era "um absurdo um professor nos pedir para ler uma obra tão antiga e difícil como aquela".

Mas não tive escolha. Peguei o livro e, vagarosamente, iniciei a leitura. O pedantismo foi indo embora e as dificuldades que, não vou negar, eram muitas, começaram a ser superadas. Realmente é um livro que exige bastante do leitor, com muitos termos complicados, frases e proposições, por vezes, enigmáticas. Mas a essência era interessante, e o tema, à primeira vista, simples: O AMOR.

Os filósofos, que se reuniram em um banquete para mais um discurso mediado por Sócrates, falavam do "Amor Original", vindo de Eros, o "Deus dos Deuses". Algumas opiniões são bastante emblemáticas, mas se pensadas e interpretadas, revelam verdades atemporais. Por isso, para dar continuidade e complementação à discussão do último post, apresento a vocês alguns trechos da obra:

“O amante faz tudo isso [serviços para o amado] com certa graça, o que lhe é permitido pela liberdade de nossos costumes, sem incidir na menor censura de ninguém, como se se tratasse de um ato louvabilíssimo. E o mais de admirar é que, no dizer do povo, somente o amante obtém perdão dos deuses, em caso de perjuro. Não há juras de amor, dizem. Desse modo, tanto os deuses como os homens concedem plena liberdade a quem ama, o que nossas leis confirmam.” (Segundo Pausânias)

"Quando acontece encontrar alguém a sua metade verdadeira, de um ou de outro sexo, ficam ambos tomados de um sentimento maravilhoso de confiança, intimidade e amor, sem que se decidam a separar-se, por assim dizer, um só momento. Essas pessoas, que passam juntas a vida, são, precisamente, as que não sabem dizer o que uma espera da outra. [...] E a razão disso é que primitivamente era homogêneo. A saudade desse todo e o empenho de restabelecê-lo é o que denominamos amor.[...] Falo em tese, tanto do homem como da mulher, para afirmar que nossa espécie só poderá ser feliz quando realizarmos plenamente a finalidade do amor e cada um de nós encontrar o seu verdadeiro amado, retornando, assim, à sua primeira natureza." (Segundo Aristófanes)

“Assim, múltiplo e grande, ou melhor, universal é o poder que em gera tem todo o Amor, mas aquele em torno do que é bom se consuma com sabedoria e justiça, entre nós como entre os deuses, é o que tem o máximo poder e toda felicidade nos prepara, pondo-nos em condições de não só entre nós mantermos convívio e amizade, como também com os que são mais poderosos que nós, os deuses.”
(Segundo Diotima)

O “amor” efêmero da modernidade




Ao jurar fidelidade à mulher idealizada, Vinícius de Morais era enfático: “Que seja infinito enquanto dure”... Há quem ainda acredite nessas palavras e até as busque colocar em prática em seus relacionamentos, mas, afinal, como a sociedade moderna vê e vive o amor?

Em sua essência, o conceito de amor não mudou. Amar é entrega, sincronia e respeito às diferenças. Quem ama verdadeiramente, supera os desafios diários de desacordos entre as personalidades e convicções. Porque cada pessoa carrega em si a sua identidade e dividir uma vida não significa abrir mão do que se é para se encaixar em um modelo estereotipado que a outra idealiza. Quem vive ou já viveu o amor sabe do que eu digo. Quando se ama, se ama por inteiro, incluindo aquilo que se julga por “defeitos”. Tenho a convicção de que a fidelidade seria que um adendo ao amor: quando se ama, se é fiel. Porque amor também é devoção, mas, claro, com o devido entendimento de que é uma devoção sadia.

E então, eu me questiono: porque tantos casais jovens e até mesmo pessoas mais maduras e casadas, se aventuram em uma traição? Seria uma forma de massagear mais o ego? Provavelmente sim. Algumas relações desgastadas ainda insistem em se sustentar pelo medo dos envolvidos de não encontrarem “alguém que o ame tanto”. Mas isso é amor? Você reconhece que o relacionamento não vai bem, que as disparidades começam a se estabelecer, mas insiste nesse caso talvez já doentio e, para cultivar uma auto-estima perdida, estabelece um relacionamento paralelo. Quem ama é, automaticamente, fiel. Porque amar é como olhar-se ao espelho e reconhecer uma identidade. E quem se identifica com alguém não quer ver o seu sofrimento, ainda que intimamente presente na angústia de quem engana.

Na outra extremidade, os solteiros e boehmios se espalham. Se disfarçam de armaduras da “felicidade pura” e da mais elevada "auto-resolução", ao passo que por detrás daquele envoltório provavelmente está um amor frustrado, uma culpa ou a dor da solidão.  A moda agora é ser “pegador”. Para quê dedicar a sua vida a alguém se você pode tê-la inteiramente para si sem abrir mão de alimentar os seus instintos sexuais? Desculpe pela frieza e talvez crueldade. Mas a realidade está bem diante dos nossos olhos.

Lembro-me bem de uma crônica de Arnaldo Jabor em que ele enfatizava os perfis em redes sociais e as comunidades que as pessoas se ligam para se protegerem do “amor ausente”: “Solteiro sim, sozinho nunca!”, “Quem tem sorte é sortero”, “Vamos beber, porque amar está difícil”... E aí começa o ciclo vicioso: mulheres que entram na disputa acirrada pelos garanhões ou pelo “amor” de uma noite, e homens que se envolvem por uma bolha de frieza, acreditando que é mais fácil se divertir por um dia do que “aborrecer-se” buscando decifrar o “pensamento enigmático das mulheres”.  Um culpando o outro pelos desvios... E quem está errado? Ninguém. Ou ambos.

O certo é que o amor não está conquistando o seu espaço porque muitas portas estão fechadas para ele. Então, sede-se lugar a uma paixão circunstancial e o “melhor”: efêmera. E aí o juramento de fidelidade, de uma vida, reduz-se a instantes de satisfação imediata: “Que seja infinito enquanto dure”- uma semana, uma noite, ou o tempo suficiente para a abertura de um coração acautelado pelo medo de perder ou "ser perdido"...