quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sobre experiência e maniqueísmo

Há quem diga que o ser humano é composto por essências bipolares. De um lado, a bondade, a inocência e a aceitação. De outro, a perversidade aliada ao egoísmo e ao posicionamento imperativo.  Em determinadas situações, extravasamos o nosso caráter bom e em ocasiões díspares, é o nosso lado perverso que domina. 

 Passei a minha vida inteira acreditando que quem nasce com uma índole cruel nunca seria corrigido. Poderia ser rico, pobre, imponente ou discriminado. Se o indivíduo tinha uma tendência ao mal, em quaisquer situações esta se manifestaria. Pensava: “porque existem pessoas boas e más em um mesmo contexto? O ambiente não teria que influenciá-las a ter uma conduta semelhante?” Por exemplo, em uma favela, coexistem os bandidos e também os trabalhadores honestos, que nunca se corromperam e se deixaram influenciar pelo clima transgressor ali instalado. Então, eu estava certa de que a tendência à crueldade estava na essência da pessoa que se inclinava a uma postura anti-solidária e destrutiva. Mas bastou uma conversa com um amigo para que eu pudesse entender e edificar uma “teoria do maniqueísmo” em minha mente. 

A palavra de ordem é “experiência”. Sim, a maldade, para ele, nada mais é do que “a falta de experiência”. Quem não se abre a oportunidades de conhecer os seus dois lados e as vantagens e desvantagens de cada um deles, poderia então crer que ser perverso é uma forma mais fácil e rápida de se impor e conseguir certo “status”. Se você não vive, não experimenta diferentes sensações, não conhece suas reações perante tais e tampouco se conhece verdadeiramente. 

Pensei neste novo ponto de vista e confesso que a argumentação me convenceu. Tentei resgatar um episódio real que pudesse contextualizar a idéia de “maldade” e “experiência” e me veio um fato marcante em mente. Quem não conhece o episódio do ônibus 174? Um “bandido” seqüestrara um ônibus no Rio de Janeiro, mantendo reféns sob a mira de um revólver e mobilizando dezenas de repórteres e cinegrafistas que, sem escrúpulos, registravam e transmitiam o crime em tempo real. Depois de um verdadeiro “show de encenações e horror”, o seqüestrador, Sandro, decidiu descer do ônibus com uma refém em seu controle. A inexperiência da polícia foi a gota d’água para que o pior acontecesse. Um atirador de elite apontou o fuzil diante de Sandro e este, ao se defender, abaixou e disparou a sua arma que estava apontada para a refém. Ao final, a captura do bandido e o seu enforcamento pelos policiais durante o trajeto do local da ocorrência até a delegacia. Fim. Quem venceu? A justiça amarga amparada pela bondade ou a maldade que se desnudou em atos cruéis? Nada explica melhor do que a “experiência”.

Sandro, aos 6 anos, presenciou sua mãe, grávida sendo assassinada na mercearia da família. Abandonou sua casa, foi morar nas ruas e assistiu à Chacina da Candelária. Mais tarde, envolveu-se com drogas e passou a conviver com pequenos ladrões moradores de rua. Até o que constava em sua ficha policial, nunca tinha sido autor de nenhum assassinato. Suas passagens pela polícia eram sempre por roubo e uso de drogas. O sonho do jovem era ser artista de TV. Drogado (e, provavelmente, tomado por mais um momento de raiva e revolta), Sandro assalta um ônibus e se vê rodeado de câmeras. De maneira controversa e desconcertante, o seu “sonho” estava sendo realizado. Mandou uma refém abaixar-se, fez uma cena de que iria atirar nela e deu um tiro longe. Por que não a matou? Não seria tão “simples” para alguém que não tinha família e nem destino? Poderia ser, mas a experiência falou mais alto. Embora Sandro tivesse convivido com diversos tipos nas ruas, ele, ainda que por pouco tempo, teve uma base familiar, que, mesmo dentro da favela, dava-lhe o exemplo de que era possível ser alguém trabalhando honestamente. Aos demais que se extraviam, falta-lhes, talvez, a base ou a interpretação da experiência. 

Era neste exato ponto que eu gostaria de chegar. Não basta apenas viver a experiência. Deve-se entendê-la. A conduta perversa pode sim denotar da falta de experiência, mas há também quem viva muito e pense pouco. Ou que tem aquela teimosa mania de reduzir e simplificar demais as coisas.

 Os sentimentos levam à ação e estas nos dão a abertura de uma posterior reflexão. São os efeitos da atitude que modificam ou nos fazem permanecer em uma determinada conduta. Experiência é, sim, fator de influência da maldade. Mas, antes de qualquer coisa, a postura analítica é o que, certamente, faz valer e acontecer. Sinta, viva. Mas, sobretudo, pense!

2 comentários:

  1. Tenho apenas uma ressalva:

    "Era neste exato ponto que eu gostaria de chegar. Não basta apenas viver a experiência. Deve-se entendê-la. A conduta perversa pode sim denotar da falta de experiência, mas há também quem viva muito e pense pouco. Ou que tem aquela teimosa mania de reduzir e simplificar demais as coisas."

    Eu acredito que as vezes as pessoas sobrecarregam as coisas simples com lirismos e simbologias dificultando o aprendizado que as vezes era para ser simples.

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  2. É possível também. Não acredito muito em simbolismos. Acho que a vida pode ser entendida de maneira mais fácil, observando-se ações e reações. Quem busca muita interpretação pra determinado ato ou postura, acaba se perdendo em tantos "porquês" e justifica "tudo" pelo "nada".

    Respostas vazias ou explicações absurdas não nos livram da culpa, apenas adiam-na para uma outra situação de reflexão que, aí sim, poderá ser a tão falada "experiência" que nos faltava.

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